Marcos Ramon

Freemium? Nem de graça.


Eu tinha um Nintendo Dsi. Arthur me tomou ele quando descobriu que conseguia jogar. Ele tinha dois anos e dois meses. Desde então ele jogou muitos jogos (e já terminou quase o mesmo tanto que eu na minha vida toda) e temos compartilhado da diversão mágica que só a Nintendo consegue criar com seus jogos.

Mas além do companheirismo, o videogame portátil sempre teve outra vantagem pra gente. Sempre que saíamos de casa pra algum lugar em que íamos demorar mais do que gostaríamos, o Nintendo salvava a nossa pele. Era só o Arthur começar a reclamar que queria ir pra casa e a gente sacava o Nintendo da bolsa. Pronto, problema resolvido. Almoço longo, viagem de avião, fila de loja… Nunca mais tivemos problemas. Mas de uns tempos pra cá as coisas mudaram. Ele começou a enjoar dos jogos que ele consegue jogar (porque tem muitos jogos que necessitam excessivamente da leitura e aí não tem como ele jogar ainda) e foi desanimando do portátil. Até aí nem tem tanto problema assim. Não querer jogar videogame não é um mal. Na verdade é até bom que ele fique sem videogame de vez em quando, pra equilibrar um pouco os interesses dele. Mas o problema é outro…

Dia desses eu estava com o Arthur no banco esperando atendimento no caixa. São poucas as vezes em que eu ainda preciso ir ao banco e geralmente tudo se resolve rápido, mas pouco tempo pra um adulto não é o mesmo que pouco tempo para uma criança. Tinham passado apenas três minutos e Arthur já estava impaciente. Perguntei se ele queria jogar Nintendo e só aí lembrei que eu não estava com o videogame comigo. Mas ele nem queria mesmo jogar um Super Mario ou Kirby, ele queria jogar no celular. Mostrei então pra ele o único jogo que tenho atualmente instalado no meu celular: Contre Jour. Ele jogou um pouquinho e não quis mais, disse que era muito triste.

Não tem aquele jogo do gatinho? - ele perguntou.

O tal jogo-do-gatinho, na verdade, é uma enrolação disfarçada de jogo. Você tem que brincar com o gato, alimentá-lo, levá-lo ao banheiro, essas coisas. Tem muitas cores e sons, caretas engraçadas e coisas que as crianças gostam. Entenda, o problema não é o “jogo” ser casual, mas ser mal intencionado. Chega uma hora que pra continuar “jogando” você tem que gastar dinheiro de verdade comprando coisas; comida pro gato, por exemplo. Ou então você espera algumas horas pra “jogar” de novo. Mas você sabe que uma criança não vai querer esperar, não é mesmo? Então vai ser aquela reclamação, aquele lenga-lenga e, nessa, um pai ou uma mãe vai acabar pagando uma graninha pros criadores daquela maravilha de “jogo”.

Até aí é só o modelo freemium de negócios, já popular nos serviços online. E sim, existe coisa boa e honesta que segue esse modelo. Spice Bandits, por exemplo, é um jogo de Tower defense em que você consegue se desenvolver bem, sem precisar comprar nada. Claro que quem gastar uma grana com itens e upgrades vai sempre ter alguma vantagem inicial, mas a paciência, habilidade e estratégia conseguem igualar mais ou menos as coisas. Bejeweled também é freemium, mas ao contrário de um concorrente seu recentemente mais famoso, no Bejeweled você não se sente injustiçado por uma mecânica de jogo que tenta te vencer pelo cansaço, até você aceitar comprar alguma coisa ou simplesmente ceder à uma aleatoriedade que depende muito pouco da sua capacidade de raciocínio.

Mas esses dois jogos que mencionei aqui são exceções. No geral eu acho essa política de venda extremamente maldosa. Eles são como traficantes. Te fazem experimentar da droga sem cobrar nada por ela, e depois que você vicia eles dizem: “ah, agora vai ter que pagar”. Se jogo é entretenimento, que seja entretenimento honesto. Me diz quanto eu tenho que pagar e se eu tiver a grana eu pago pra ter acesso completo ao produto. Nada de me dar de graça e cobrar depois quando a diversão parece que vai aumentar. Enfim, na minha opinião o sistema freemium é extremamente nocivo porque dá uma ilusão de ganho incrível (“nossa, um jogo de graça!”) acompanhado de um desejo de gastar com migalhas (“é só um real pra comprar esse item. Só dois pra comprar aquele outro”) que pode acabar custando um valor muito mais alto que um bom jogo pra console, por exemplo.

Mas o “jogo-do-gatinho” vai ainda mais longe. Não bastasse a praga freemium inserida nele, os criadores do “jogo” ainda utilizam uma outra artimanha demoníaca. Eles encheram a tela de banners e coisinhas engraçadinhas pra clicar. Esses banners levam pra compra direta de outros aplicativos. No Google Play, por exemplo, a compra pode ser feita com um clique, se os seus dados já estão cadastrados (nunca permita isso). Ou seja, se você deixar a criança “jogando” por três minutos sem acompanhamento, você pode receber uma fatura de cartão de crédito tão inchada que não vai nem entrar na caixa do correio.

É triste ver o meu filho - logo o meu filho! - trocando um jogo de verdade por um lixo desses. Mas ele não entende essas diferenças, claro. Se é divertido ele quer experimentar. E afinal, por que não? Eu acho que se eu ou a minha esposa estivermos do lado tirando o dedo dele de cima dos banners maliciosos não vai ter risco nenhum pro nosso bolso. Mas como eu realmente gosto de videogames, eu fico pensando no futuro dessa forma de entretenimento. Já pensou se todo jogo de console virar uma coisa tipo Candy Crush Saga? Melhor nem pensar.

Freemium

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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