Marcos Ramon

O direito ao mau humor


Recentemente li um texto que falava sobre as coisas terríveis do funcionalismo público. Lendo esse texto não dá pra deixar de pensar na quantidade de coisas absurdas que se faz - e que se deixa de fazer - em nome da estabilidade financeira. Por outro lado, quer você acredite ou não na viabilidade do emprego público, tem uma coisa em ser funcionário público que deveria ser mais valorizada: o direito ao mau humor.

Hoje fui à UnB resolver algumas coisas burocráticas e em todos os setores em que fui, apesar de obter a informação correta sobre o que deveria fazer e como fazer, estive o tempo todo em contato com pessoas absurdamente mal-humoradas, aparentemente cansadas e sem saco pra atender o público. No entanto, como disse anteriormente, todos fizeram o seu trabalho e ninguém se negou a atender a ninguém. E, o mais importante, puderam continuar com o seu mau humor.

Sério, acho isso essencial pra vida humana. Nem sempre a gente está feliz e muito menos com vontade de sorrir pros outros. Mas se você é funcionário de uma empresa privada e lida com atendimento ao público você vai ter que sorrir e agradecer e sorrir de novo, e tantas e tantas vezes que vai chegar um dia que você vai precisar fazer fisioterapia pra recuperar os movimentos da mandíbula.

Não me importo de alguém me atender de cara fechada, desde que faça o seu trabalho da forma correta. Por outro lado, claro que eu prefiro ser atendido por uma pessoa mais simpática e com um sorriso espontâneo no rosto, mas a verdade é que devemos entender o fato de que as pessoas tem que poder ser o que elas são.

Lembro que dei aula em um cursinho pré-vestibular e uma das coisas que poderiam levar à demissão era você não ser simpático com os alunos. A gente pode entender o termo “simpático” de várias formas, mas o que o coordenador do cursinho queria nos dizer - e esse era um exemplo que ele mesmo utilizava - era que o professor tinha que ficar sorridente mesmo se os alunos perguntassem a mesma coisa dez vezes seguidas ainda que a explicação já fosse mais do que óbvia.

Hoje sou professor em instituição pública e se um estudante pergunta a mesma coisa dez vezes seguidas, eu respondo - afinal, esse é o meu trabalho - mas não com um sorriso no rosto. E não faço isso porque sou mau e não entendo que algumas pessoas demoram mais para entender determinadas coisas, mas sim porque eu sou humano e fico irritado de repetir a mesma coisa o tempo todo quando acho que já expliquei de forma suficiente.

O funcionalismo público tem muitos, muitos problemas, mas se tiver que apontar uma grande vantagem, é essa: o direito ao mau humor.

Cenas do clipe Black Hole Sun, do Soundgarden. Veja os sorrisos sinceros.

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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