Marcos Ramon

O mundo é pequeno pra caramba


Estou planejando uma viagem e, também por conta disso, comecei a seguir alguns perfis no Instagram relacionados ao tema (ou de pessoas que, nesse momento, estão documentando suas viagens). Como não poderia deixar de ser, comecei a ser bombardeado com conteúdo de viagem do tipo mais diverso: venda de malas, seguros, tickets para passeios, perfis focados em “experiência” de turismo etc.

Daí lembrei que li, faz já um tempo, um texto da Susan Sontag em que ela discutia a relação entre o avanço das câmeras fotográficas e a invenção do turismo. Pode ser estranho pensar sobre isso agora, mas o turismo é, de fato, uma invenção do século XX. Não que o desejo de conhecer o mundo seja novo. Goethe fez enorme sucesso com seus diários de viagem para a Itália justamente porque essa vontade, de conhecer o que é de fora, já existia. Também Montaigne dedica inúmeros ensaios ao tema da viagens, ou ao desejo de fazê-las. No entanto, por muito tempo, viajar era coisa para pouquíssimas pessoas. O trânsito de pessoas entre cidades potencialmente turísticas era pequeno e o custo dessas aventuras era altíssimo1. Algo bem diferente do que temos hoje, com milhões de pessoas se movendo para todo lado durante o ano inteiro.

Sontag, no livro que falei anteriormente, destaca o fato de que a fotografia na viagem serve como uma forma de documentar “sequências de consumo”, de maneira que a própria experiência da viagem se torna refém da necessidade de se enquadrar e documentar o que precisa ser visto (e registrado) por todo e qualquer turista. Assim, as fotos e as próprias pessoas passam a agir em um processo de coreografia, indo aos mesmos lugares, fazendo as mesmas poses, tirando as mesmas fotos. Mas pode ser pior.

Pesquisando para a viagem que comentei, me dei conta de que esse processo de preparação é agora uma antecipação da experiência. É possível ver não só fotos, mas inúmeros vídeos com apresentação e análises dos locais e ambientes mais diversos. Você pode ver com detalhes a rua em que vai estar hospedado, visitar virtualmente as padarias próximas, as vizinhanças, museus e pontos turísticos mais disputados. No final, se levarmos a sério essa investigação, não sobra nada para a viagem. Tudo o que será visitado pela primeira vez já terá sido visto e avaliado antes. E um dia, talvez, faça até sentido nos questionarmos: “ainda vale a pena viajar?”.

Pensando sobre o agora, sinto que ainda me resta um pouco de curiosidade com a experiência real, com a presença in loco, com a sensação de despertencimento tão característica de quem sai em viagem. O cuidado (de agora, de sempre) é não perder isso de vista — pra me permitir ainda olhar as coisas com um pouquinho de surpresa.

  1. Não que seja barato viajar hoje. Mas, diferentemente de outras épocas, é algo agora viável para um número bem grande de pessoas. 

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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