Marcos Ramon

Saber existir


Quando perdemos alguém próximo a nós, sentimos, mais do que em qualquer outro momento da vida, a presença da sensação de incapacidade, pois é impossível agir diante de algo que está para além da nossa vontade. Ainda assim, penso, como escreveu Epicuro, que não devemos temer a morte como se ela fosse essencialmente algo ruim. Afinal, nesse tipo de situação aprendemos a ser mais humildes, mais conscientes de nós mesmos e também mais afeitos a compreender as pessoas que nos cercam.

A linha que separa a vida da morte é tão tênue, que às vezes é razoável supor que ela sequer exista. Nunca esperamos que a realidade nos deixe, pelo simples fato de que toda a nossa percepção da existência se resume à vida que possuímos. Também por isso não devemos temer a não existência. Sendo algo essencialmente distinto da única coisa que conhecemos, a morte é (e sempre será) um mistério indecifrável. Parte da beleza de ser um ser humano está justamente nisso: estar consciente de sua finitude e entender, com o tempo, que é preciso fazer tudo valer a pena.

Mais do que isso, saber existir é entender que ninguém deixa a vida de forma absoluta. Continuamos vivendo nas memórias de outras pessoas, nos traços de personalidade que legamos a quem nos conheceu, nas ideias que compartilhamos. Como disse antes, talvez a linha que separa a vida da morte seja só uma ilusão. Apenas continuamos.

Par de botas (1886). Pintura de Vincent Van Gogh.

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
comments powered by Disqus

Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

Inscreva-se na newsletter para receber atualizações por email. 😉