Marcos Ramon

Um mapa do tamanho do mundo


Esses dias, organizando uma aula de Metodologia de Pesquisa pra uma turma do Mestrado em que eu dou aula, lembrei de um texto do Jorge Luis Borges, chamado Do rigor na ciência. Esse texto foi publicado na primeira edição de um livro chamado História Universal da Infâmia. Depois, começou a integrar outro livro de Borges, chamado O Fazedor. É esse que eu tenho aqui e de onde eu leio esse texto.

Como muitos outros escritos de Borges, ele não é um conto, nem um ensaio, mas quase uma reflexão metafórica sobre um aspecto específico da realidade. E nele o autor diz o seguinte:

…Naquele Império, a arte da cartografia alcançou tal perfeição que o mapa de uma única província ocupava toda uma cidade, e o mapa do Império, toda uma província. Com o tempo, esses mapas desmesurados não foram satisfatórios e os colégios de cartógrafos levantaram um mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. (Jorge Luis Borges, In: O Fazedor)

O título, Do rigor na ciência, nos dá uma pista de que aqui existe um alinhamento com a crítica à ultraespecialização da ciência, fenômeno apontado especialmente por Edgar Morin, que chamava a atenção para o fato de que nos tornamos tão obcecados com as explicações oferecidas pelos procedimentos científicos, que a ciência, como atividade única, parou de ser uma forma de saber e se transformou apenas em técnica, em procedimento.

Ensinar a fazer pesquisa, ou aprender a fazer pesquisa, é se ver no meio desse mundo em que o embate entre a técnica e o saber formam uma falsa dicotomia. Não existe teoria sem prática, não existe procedimento técnico sem reflexão. Por isso, quando alguém define a sua pesquisa como qualitativa, eu me pergunto: o que isso significa exatamente?

Uma pesquisa, por exemplo, pode ser quantitativa na coleta de dados, mas a análise dessas informações é sempre qualitativa. Então, definir a pesquisa como sendo uma coisa ou outra não faz sentido. Mas é preciso ter rigor, é preciso ter procedimentos mensuráveis, é preciso ter um caminho seguro para a pesquisa, é preciso dar um nome certeiro pra todas as coisas. Tudo engano…

No final do texto, Borges lembra que as gerações seguintes, naquele Império, menos afeitas à cartografia, consideram os mapas inúteis. A ciência deve ser, quando muito, uma representação da realidade que nos ajude a entender melhor o mundo em que vivemos. Afinal, se ela for tão precisa quanto a própria realidade, para quê precisaremos dela?

Ilustração de Frederik Gillam

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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